Entrevista solicitada por Pedro Nuin, pela Autvis
Fevereiro de 2011
1 – Como foi que você se interessou pelo universo da arte? Sofreu influência dos pais ou parentes?
Nasci no interior de Minas Gerais, em Santos Dumont, uma cidade pequena. Ali não havia um “universo da arte”, mas toda a vida cotidiana era fincada na experiência sensível. Construíamos nossos próprios brinquedos, costurávamos nossas roupas. Tudo era criado, inventado no dia a dia. Nada estava pronto. Na adolescência ajudei a organizar a primeira biblioteca da cidade – trazia livros pra casa. Lia durante a noite pra devolver no dia seguinte. A literatura veio somar na minha vida cotidiana, ampliando a experiência do real.
2 – Quando decidiu que faria da arte sua profissão?
Foi uma opção da maturidade. Atuei em muitos setores da sociedade como bancária, funcionária pública, mas sempre ligada à literatura, à filosofia. Descobri a possibilidade do desenho no curso do Silvio Dworek, em seguida no curso do Dalton de Luca e escolhi as artes plásticas como campo de atuação quando entrei na faculdade Santa Marcelina, aos 43 anos.
3 – Pelo que pesquisei, vi que você trabalha com um tipo de arte inusitada, com esculturas de gelo. Como você chegou nesta ideia, sendo que moramos em um país tropical?
Minha investigação começou em 2001 no mestrado em Artes Visuais no Instituto de Artes da UNESP (2001-2003). As esculturas começaram em ferro, passaram ao barro, ao gesso, resina, vidro e finalmente ao gelo. Durante três anos pesquisei materiais que pudessem acentuar a fragilidade do humano diante das cidades e das instituições que ele mesmo constrói. Busquei uma conciliação entre a esfera pública e a esfera privada, entre o eu subjetivo e a cidade. Encontrei nos monumentos públicos uma síntese desta minha inquietação: a celebração histórica muito longe do sujeito comum. Subverti então uma a uma as características dos monumentos oficiais diretamente ligados ao poder. A escala é mínima, daí o nome Monumento (Mínimo; não há pedestal nem hierarquia, a homenagem é dirigida aos anônimos e os corpos desaparecem na cidade em uma experiência compartilhada. A memória fica inscrita no sujeito que viu e registrada em fotografias e vídeos. É verdade, moramos num país tropical, que está sempre em construção, com vocação para o moderno e sem tradição – “Aqui tudo parece que ainda é construção e já é ruína” como canta o Caetano em Fora da Ordem. Atuamos com o precário, com o improviso. Nesse sentido a matéria gelo ajustou-se ao trabalho e lhe deu suporte poético.
4 – Você atua com outras técnicas, como com o tradicional pincel e tinta, por exemplo?
Sim. Cada trabalho exige um procedimento e uma técnica diferentes. Como as intervenções com o Monumento Mínimo ficaram mundialmente conhecidas ele acabou por tomar muito do meu tempo e de minha produção, mas você pode conhecer outras intervenções e outras instalações no meu endereço na web www.neleazevedo.com.br
5 – Como se dão suas exposições? Locais fechados ou abertos?
Gosto muito de atuar na rua. Ela é o espaço do encontro das diferenças, o espaço aberto, democrático. Com o Monumento Mínimo fiz intervenções em quinze cidades : Campinas, São Paulo, Brasília, Salvador, Curitiba, Ribeirão Preto, no Brasil e Paris (França), Havana (Cuba), Tóquio e Kyoto (Japão), Braunschweig e Berlim (Alemanha), Porto (Portugal), Florença (Itália), e Stavanger (Noruega). Nestes lugares pude experimentar desafios espaciais novos e específicos. Por exemplo, realizar a intervenção em Portugal, teve um valor simbólico ancestral - algo como fazer o caminho das Índias ao inverso: ir daqui, com a bagagem da colonização portuguesa, carregada dos séculos, das heranças, de todas as miscigenações e levar além-mar um trabalho fundado no precário e no efêmero. Em Florença aconteceu uma contraposição histórica: o derretimento das pequenas figuras sentadas nas escadarias do edifício Istituto degli Innocenti, construído por Brunelleschi, na Renascença italiana – metáfora do derretimento do homem e de suas instituições. Outra intervenção que também se contrapõe ao monumento, mas de outro modo, que gostei muito de fazer foi “Glória às lutas Inglórias” no Páteo do Colégio em maio de 2007. Um grande desenho de grafismo dos povos Guaranis bem ao lado do Obelisco Glória Imortal aos fundadores de São Paulo, ocupando a mesma área deste, feito com os mais de 200 caixotes cheios de frutas pelo público local. Esteiras de taboa no meio, formando um espaço de convivência, música de pandeiro rolando, muita gente dentro do desenho/labirinto, as frutas foram consumidas em cerca de quarenta minutos. Tenho uma extensa lista de exposições em galerias, museus e instituições. Gosto mesmo do desafio que o espaço provoca porque nenhum espaço é neutro, nem o da rua nem o da galeria. Ele é sempre carregado de significados, história, relações, etc.
6 – Quanto tempo as esculturas duram?
As esculturas em gelo duram em média trinta minutos. Na Noruega duraram um pouco mais: 48 minutos.
7 – Por fim, sempre perguntamos aos artistas o que eles têm achado do trabalho da AUTVIS. Você está satisfeita com os serviços prestados?
Pode dar a opinião que quiser. NA G Eu recorri a Autvis para me auxiliar no tema de direito intelectual do meu trabalho e fui muito bem atendida. Espero dar muito trabalho pra Autvis e ter o mesmo atendimento.